sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Relato de Thiago Dezan, NINJA que ficou mais de 100 horas cobrindo a ocupação da Câmara Municipal do Rio de Janeiro:

"Caminho na garoa fina, com um vento forte e frio, difícil de se experimentar no Rio. Busco um posto de gasolina para comprar cigarros, uma garrafa de mate e chocolates. Sentindo o tempo, passando, congelante. Só agora começo a processar as ultimas 127 horas que passei preso na Câmara Municipal do Rio de Janeiro.

A primeira tentativa de ocupação na Casa havia sido cerca de uma semana e meia antes, quando transmitindo ao vivo pelo Ninja entrei com pouco mais de 50 Black Blocs durante a madrugada. Fomos expulsos pelo dobro de PMs debaixo de cacetadas e choques de taser. Soube que um grupo também tentou entrar na quinta passada (8/08), mas sem acesso a banheiros, água e comida, foi obrigado a deixar o espaço. Vou me ater a narrar aqui a terceira e mais bem sucedida ocupação, que começou dia 9/08, motivada pela busca de legitimidade na CPI dos Ônibus.

Tudo começou por conta do descaso da maior parte dos vereadores do Rio de Janeiro com a CPI dos Ônibus, dos quais 4 dos 5 gestores da CPI não assinaram a favor de sua implementação. Destes, um é do PTC (partido da base aliada do PMDB) e 3 do PMDB - curiosamente o partido de Cabral e Paes, governador e prefeito do Rio, respectivamente.

Conversando com um dos funcionários da Câmara, que dizia trabalhar por lá há mais de 25 anos, perguntei se lembrava de alguma outra ocupação como a que estava em curso. Sem hesitar, o senhor respondeu "sim, uma vez o MST passou a noite por aqui, faz pelo menos uns 10 anos". Confesso não ter checado a fonte, me bastou a palavra daquele senhor que parecia feliz em nos ver deixando as madrugadas do palácio menos sombrias.

As tentativas veladas de promover a desocupação do prédio, já que o pedido de reintegração de posse foi negado, tem requintes de crueldade e frieza que não se deveriam esperar de representantes do povo. O presidente da Câmara, Jorge Felippe, foi responsável durante dias por impedir a entrada de cobertores e roupas de frio, alegando que seria luxo dos ocupantes. Só deixou passar água e comida. Ordens superiores mandaram apagar as luzes e deixar os manifestantes no escuro, com mais de 40 oficiais da Polícia Militar para "cuidar de sua segurança", entre outras táticas de pressão psicológica que buscavam desestabilizar o emocional da garotada - que, pelo que vi, está inabalável.

Na madrugada de sábado ouve uma grande baixa no número de ocupantes do palácio. Dos 60 que entraram na sexta, 47 deixaram o prédio na noite de sábado por buscar outras táticas de ação, restando 12 manifestantes na resistência e eu em transmissão ao vivo.

Com menos ocupantes dentro, a mobilização popular cresceu do lado de fora e um acampamento foi montado tornando a ocupação simbolicamente muito maior.
Do lado de dentro, continuávamos dormindo no plenário, tomando banho de balde e vivendo das doações que chegavam ao longo dos dias. Do lado de fora, o número de barracas era cada vez maior, muitos movimentos se somaram às lutas, dos taxistas aos camelôs, dos black blocs aos estudantes e as mais de 11 mil pessoas que assinaram o manifesto de reivindicações do‪#‎OcupaCâmaraRio‬, até o momento em que lembro.

O acesso à imprensa foi vetado pela presidência da Câmara, que acorrentou os portões, tornando a presença Ninja não só fundamental para ajudar a garantir a não-violação dos direitos dos ocupantes, mas também para narrar com verossimilhança os incontáveis episódios que não caberiam num post.

Numa de duas reuniões, o presidente da Câmara de Vereadores, Jorge Felippe, disse que os manifestantes barraram a imprensa, o que claramente é uma inverdade, tal qual grande parte das coisas ditas por ele. Foram horas de conversa entre os ocupantes e Felippe e não houve avanço algum, zero - conversar com quem não quer ouvir é sempre terrível. O que dava força para prosseguir era a enxurrada de comentários recebidos em apoio pelas transmissões ao vivo e pela nossa página, fazendo-os perceber que não estavam, nem estariam, sozinhos.

Continua completamente vetada a entrada de manifestantes na Câmara Municipal, que deveria ser do povo, já que seus vereadores são eleitos para representá-lo. Quem sair não volta. Depois de horas de negociação, após cinco dias cobrindo quase ininterruptamente a ocupação, consegui negociar uma "troca de Ninjas" e botar a cara para fora sem deixar a ocupação sem transmissão. Os guris seguem na resistência, a CPI começou da forma ilegítima e os passos futuros são incertos, mas aproveito para deixar aqui todo meu apoio à causa. Não deixem de acompanhar a pagina www.facebook.com/ocupacamarario para receber atualizações em tempo real do que se passa por lá."

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